Pesquisa indica que enquanto perda de olfato durar, o vírus pode estar presente na cavidade nasal Foto: Prakash Mathema /AFP
Um dos sintomas mais característicos da Covid-19, a perda de olfato tem causas neurológicas e pode indicar a presença do vírus no corpo mesmo após a fase aguda da doença e resultados negativos de RT-PCR. É o que indica uma nova pesquisa sobre a anosmia (nome científico para a perda do olfato) provocada pelo Sars-CoV-2 publicada na revista Science Translational Medicine.
De acordo com o estudo, o vírus da Covid-19 pode persistir em neurônios olfativos, que ficam na cavidade nasal por vários meses após a infecção, afetando a capacidade de função dessas células. A pesquisa investigou a ação do vírus no neuroepitélio olfatório — um revestimento de células sensível ao cheiro — em 11 pacientes humanos e hamsters.
O pesquisador brasileiro Guilherme Dias de Melo, de 36 anos, que conduziu o estudo no Instituto Pasteur, na França, diz que o teste com hamsters que se infectaram naturalmente com a Covid-19 ajudou os pesquisadores a provar que a perda olfativa não decorre de uma simples obstrução, como de um resfriado comum, mas de um problema neurológico.
— Verificamos que na mucosa olfativa, que é a parte onde os neurônios ficam no nariz para receber os estímulos do cheiro, as células já tinham perdido todos os cílios, estruturas onde ficam os receptores do olfato. Então eles já não sentiam cheiro — diz o pesquisador, doutor em ciência animal pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Ao partir para a análise nos humanos, um grupo de otorrinolaringologistas que também participou da pesquisa realizou coletas na mucosa olfativa com escovas especiais, num procedimento hospitalar semelhante a uma biópsia celular, para analisar as células presentes e quais estavam infectadas ou não.
Descobriram então que os neurônios olfativos estavam infectados pelo coronavírus em pacientes com perda de olfato, mesmo naqueles cujo exame RT-PCR já havia dado negativo e estavam supostamente curados da doença.
— Nos pacientes com Covid longa ou síndrome pós-Covid, como um que estava havia seis meses sem sentir cheiro, o vírus continua presente na estrutura celular responsável pelo cheiro na mucosa olfativa — diz Melo. — Mesmo tendo PCR negativo, o vírus que causa a inflamação ainda está lá. Porém, a gente não consegue saber se esse paciente continua expelindo o vírus e sendo uma possível fonte de infecção para outras pessoas.
Porta para problemas neurológicos
O cientista explica que, quando o vírus chega nos neurônios olfativos e começa a destruir essas estruturas, nossas células de defesa são acionadas para protegê-las da infecção. Porém, nessa “guerra” da célula de defesa com o vírus, a estrutura da mucosa olfativa vai sendo perdida, células vão morrendo, e a organização anatômica é destruída.
Nos pacientes que têm essa duração excessivamente longa do sintoma, ocorre uma persistência do vírus e da inflamação no local. Por isso, os neurônios não conseguem se regenerar, não conseguem preencher novamente a cavidade nasal com receptores para os neurônios.
Os pesquisadores alertam que estudos com grupos maiores de pacientes são necessários, mas sugerem que a perda do olfato pode ser interpretada como um sinal de infecção viral persistente enquanto durar o sintoma.
O pesquisador diz ainda que o estudo indica também que os neurônios olfativos podem ser a porta de entrada do vírus para outras áreas do sistema nervoso central, causando uma série de outros problemas de saúde para além das doenças cardiorrespiratórias.
— Essa entrada do vírus no cérebro, a partir do sistema olfativo, pode também ser a causa de problemas relatados por pacientes com síndrome pós-Covid, como depressão, sintomas de ansiedade, ou déficit de atenção — diz Guilherme Dias de Melo. — Covid não é só uma doença respiratória.
O GLOBO