‘AS BOLHAS NO CORPO DOEM COMO QUEIMADURA’, DIZ 1º BRASILEIRO COM A VARÍOLA DOS MACACOS TRANSMITIDA NO PAÍS

Foto: Reprodução/Cedida/O Globo

Meus primeiros sintomas começaram há 14 dias. Cheguei em casa à noite e comecei a sentir uma dor muito forte nas costas. Pensei até que era de ter ficado o dia inteiro de pé. Acordei umas cinco vezes durante a madrugada ensopado. Percebi que estava ardendo em febre. Medi a temperatura: 39°C. Tomava remédio, mas nada abaixava ou diminuía a febre. Percebi que tinha algo de errado.

No dia seguinte, fui ao meu médico. Ele me examinou e percebeu uma pequena erupção, que parecia uma espinha debaixo dos pelos da barba, bem perto do pescoço. Ele me perguntou o que era aquilo e eu falei que havia aparecido junto. Enquanto ele observava cada ponto do meu corpo encontrou outras na região do peito, braço e coxa. Áreas em que eu tenho muito pelo, como tenho facilidade para encravar, achei que era apenas casos de pelos encravados, mas pude imaginar que seria algo mais sério ou que poderia ser essa varíola que estamos escutando há alguns dias.

Meu médico pediu para eu fazer exames e me avisou que suspeitava que fosse a varíola. Ele pediu para eu ir direto ao Instituto de Infectologia Emílio Ribas, lugar onde estava fazendo o exame para o diagnóstico da varíola dos macacos.

Quando cheguei lá, veio o primeiro choque. Eu apenas dei o meu nome completo e a enfermeira deu um grito. Começou a falar para todo mundo que eu havia chegado, pessoas de máscaras me acompanharam até um quarto afastado, todos tinham o maior cuidado de chegar perto de mim, ou encostar em mim. Me senti como no início da pandemia de coronavírus, quando as pessoas tinham medo de chegar perto das outras, não podia falar um “A”, para conhecidos, se tossisse então, era sentença de morte. Eu me assustei e tive até vergonha em falar o meu nome.

Os enfermeiros me levaram em direção a uma porta. Assim que eu entrei, eles pregaram um papel escrito “sujo”. Fiquei constrangido com isso. Apesar de ninguém saber sobre a doença, os níveis de contágio, não vou mentir que fiquei um pouco mal com a palavra.

Me fecharam nesta sala, que parecia um consultório médico. Tinha uma maca, uma mesa com uma cadeira e um lixo escrito infectado. A cada dez segundos uma cabeça diferente aparecia na janela de vidro da porta. Era algum funcionário do hospital que queria ver quem era o paciente com suspeita de varíola.

Minhas erupções, quando estão com as bolhas, doem muito por si só. A dor é tanta, que eu não conseguia levantar o braço para colocar uma camiseta, para se ter uma ideia. Elas doem como se fossem uma queimadura. Parece que seu corpo está queimando em diversas partes. E ainda por cima, arrancam uma parte do seu tecido, bem ali onde há essa queimadura. É muito invasivo e dolorido. Apesar de ser necessário, é muito ruim.

Os enfermeiros disseram que o exame ficaria pronto em 48 horas e mandaram eu ir direto para casa. Só pediram para eu entrar em isolamento e apenas sair de casa depois do exame negativo. Desde então estou em casa já vai fazer mais de duas semanas. Meu médico me ligou no dia seguinte com o resultado positivo do exame. Fiquei em estado de petrificação.

Milhares de perguntas surgiram na minha cabeça. Mas a primeira pergunta que eu fiz para ele foi: “eu vou morrer, doutor?”. Ele tentou me tranquilizar e, acima de tudo, me acalmar. Disse que eu não corria risco de vida, mas que a doença é nova para todo mundo e que apesar de não ter um tratamento, ou um remédio específico, que a gente teria que controlar a minha febre, minha dor e que o meu corpo iria dar conta de fazer o resto.

Os médicos não conseguiram rastrear as pessoas que tiveram contato comigo recentemente, até porque eu tinha ido a uma festa no dia em que surgiram os sintomas. Mas consegui avisar aos amigos mais próximos que em qualquer sintoma aparente para procurar um médico. E coloquei em minhas redes sociais também, que quem estava na festa, e teve contato comigo, se começasse a sentir algum sinal diferente, para procurar um médico.

Passei cerca de uma semana com febre entre 39 e 40°C. Acredito que os piores momentos foram esses, pois eu não sabia se eu melhoraria ou pioraria. Apesar do sol que fazia do lado de fora do apartamento, eu só conseguia ficar debaixo das cobertas, agasalhado, morrendo de frio, mas meu corpo suava, eu precisava trocar de roupa a todo momento. Falava com o meu médico todos os dias, praticamente todas as horas indagando se era melhor eu ir ao hospital, me internar, se eu estava piorando, se aqueles sintomas eram normais. Eu que era supertranquilo, acabei estimulando minha ansiedade em níveis extremos.

O único sintoma que ainda persiste é a coceira. Com os machucados secando, começa uma coceira que eu nunca senti igual. É agoniante. Preciso tomar um remédio para parar a coceira, que é um antialérgico e me dá muito sono, o que acaba sendo bom, porque eu durmo e não sinto a coceira.

Agora, passados quase 14 dias, posso dizer que eu estou melhorando. Faz praticamente três dias que não sinto febre, minhas dores no corpo passaram e os machucados no corpo estão cicatrizando. Mas ainda não posso sair de casa ou ter alta. Isso apenas quando todas as erupções sumirem. A perspectiva é que eu seja liberado por volta do dia 9 de julho, mas ainda é cedo para afirmar com certeza.

O Globo

 

 

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