FAMÍLIA RELATA MEDO DE NÃO OBTER ACESSO A TRATAMENTOS APÓS DECISÃO; ADVOGADO BRUNO HENRIQUE DIZ QUE “SITUAÇÃO É NOVA, APESAR DAS BRECHAS”

Maria Madalena Rocha luta por três tratamentos para Felipe Levi, que tem paralisia cerebral. Custo é de R$ 25 mil por mês – Foto: Magnus Nascimento

Felipe Levi, 8 anos, tem paralisia cerebral. Com uma série de limitações físicas, ele se movimenta com ajuda de uma cadeira de rodas e necessita de terapias específicas para tratar sua condição. Há pouco mais de um mês, Levi teve atendimento negado por um plano de saúde em Natal, com a alegação que os procedimentos não fazem parte da lista da Agência Nacional de Saúde (ANS). A decisão  na qual o STJ fixou o entendimento de que os planos de saúde não são obrigados a oferecer tratamentos que não estejam no rol de procedimentos da ANS traz ainda mais preocupação para a família.

Levi é beneficiário da Unimed Natal há um ano e quatro meses, conta a mãe dele, Maria Madalena Rocha. Nesse período, Levi fazia três tratamentos: pediasuit, indicado para o desenvolvimento neuropsicomotor; hidroterapia, uma espécie de fisioterapia aquática; e a fisioterapia baseada no método Bobath, que consiste em uma técnica de reabilitação que utiliza reflexos e estímulos sensitivos para provocar respostas motoras. Os custos dessas terapias giram em torno de R$ 25 mil por mês, estima Madalena. As informações são da Tribuna do Norte.

A negativa do plano de saúde veio ainda em abril. “Foram negadas as três terapias dele, que são de suma importância, antes mesmo dessa última decisão do rol taxativo. A justificativa foi de que as terapias estavam fora do rol e não poderiam mais ser feitas, mas só que já tinha um ano e quatro meses que ele vinha fazendo”, conta Madalena. Levi seguiu fazendo as terapias ao longo do mês de maio mediante a uma “pré-autorização” da clínica, ao qual o plano de saúde é vinculado, mas o tratamento foi paralisado em junho. O receio da mãe de Levi é precisar arcar com todo o custo ao fim do mês, o que é inviável para a família.

“A gente recebeu essa notícia com o coração na mão. A gente já paga caro pelo plano, paga Uber para os deslocamentos, paga caríssimo pelas órteses [suporte para sustentar as pernas e o braço esquerdo de Levi] e agora mais essa. É realmente muito complicado porque o caso dele é complexo, o tratamento é contínuo, tem que ser todo dia, se perde um dia, a gente perde muita coisa. Sem a terapia, o braço atrofia, e aí o que a gente conseguiu nos últimos anos acaba se perdendo”, desabafa Madalena.

A adesão ao plano de saúde foi resultado de um grande esforço da família, conta a mãe de Levi, que paga R$ 320 mensais pelos atendimentos. Antes do plano, o garoto foi atendido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) por cinco anos, mas o serviço público não conseguiu mais atender as demandas da criança, que precisou da saúde suplementar. “Depois que ele começou, foi notória a melhora dele. Todo mundo que convive com ele vê que ele teve uma progressão enorme”, diz Maria.

Para justificar a interrupção do serviço, a Unimed informou à família de Levi que o procedimento está “expressamente excluído da cobertura contratada, bem como não está prevista no rol de cobertura obrigatória (rol de procedimentos e eventos de saúde), conforme autoriza a Lei nº 9.656/98 e a Agência Nacional de Saúde Suplementar, nos termos da RN-ANS nº 465/2021”. A Unimed é uma das 13 operadoras com registro ativo no RN, que ao todo tem 576 mil beneficiários, segundo a ANS.

A negativa da empresa motivou a judicialização do caso. Maria Madalena torce agora para um desfecho positivo na Justiça. “É uma guerra todo dia que a gente tem que enfrentar como mãe para dar o tratamento para o meu filho. É algo que é cientificamente comprovado, ele teve uma melhoria de vida muito boa, mas agora a gente vive nessa incerteza. É muito triste, muito angustiante. Levi teve uma evolução maravilhosa e de uma hora para outra, nosso sonho caiu por terra. É como estão dizendo mesmo, o rol taxativo mata”, destaca Maria.

A mãe de Levi, que se dedica exclusivamente a cuidar do filho, procurou o advogado Bruno Henrique. Para conseguir reaver o tratamento pelos tribunais, os desafios são outros, diz Madalena, que relata dificuldades para obter os laudos comprobatórios. “A gente conversa muito [com o advogado] e há essa orientação para que agora a gente consiga todos os laudos, especificando tudo, os tipos de tratamentos e porque eles são necessários. Esses laudos precisam ser assinados pelos médicos, que resistem em fazer isso porque eles são funcionários dos planos. É muito complicado”, conta.

Ele assumiu o caso e tenta garantir continuidade dos tratamentos diante do novo entendimento do STJ, que alterou o rol da ANS de exemplificativo para taxativo. Em outras palavras, isso significa dizer que agora os planos de saúde não são mais obrigados a cobrir procedimentos que estejam fora do rol, que lista 3.379 itens. Antes, esse rol correspondia ao mínimo que os planos tinham de oferecer.

Desta forma, era comum que os beneficiários entrassem na Justiça para conseguir tratamentos fora do rol e que os tribunais decidissem favoravelmente aos usuários e, consequentemente, contra os planos. Com o rol taxativo, a tendência é de que essa interpretação jurídica se inverta, uma vez que os planos não têm mais a obrigação de prestar os serviços que não estão no rol, conforme explica Bruno Henrique.

“É uma situação muito nova. Apesar de terem brechas, não será mais um trabalho tão simples, será mais dificultoso para que esses tratamentos sejam oferecidos a contento. Por muitas vezes, tempo é vida e as pessoas não vão poder esperar. O julgamento do STJ tem uma peculiaridade, ele não tem efeito vinculante. Os juízes e desembargadores têm total liberdade de decidir de acordo com seu convencimento, todavia dizer que eles não vão seguir o STJ chega a ser uma hipocrisia. Queira ou não queira, ninguém quer ficar desmoralizado em dar uma decisão e chegar lá em cima ser derrubada. Isso é uma praxe no Judiciário”, comenta Bruno Henrique.

Por Bruno Vital/Tribuna do Norte

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