‘AQUI É MEU PALÁCIO’: EX-REPÓRTER, DIRETOR DE PRESÍDIO MORA EM CADEIA NO RN

Foto: Allan Lira/UOL

Todos os dias, entre o fim da tarde e início da noite, Márcio do Carmo de Morais, 44, entra no seu quarto para descansar. Pequeno e de paredes brancas, o espaço abriga geladeira, ar-condicionado, armário, TV e uma cama de solteiro. Numa prateleira estão livros como “O Bandido da Chacrete”, sobre a trajetória de um dos fundadores da facção Comando Vermelho, e “Cobras e Lagartos”, que conta a história do PCC (Primeiro Comando da Capital). “Aqui é meu palácio”, diz.

À primeira vista, o espaço lembra uma quitinete. Entretanto, basta colocar os pés do lado de fora para notar que o endereço é outro: a Penitenciária Agrícola Dr. Mário Negócio, cravada na área rural de Mossoró (RN).

No pavilhão onde estão os detentos, um burburinho corria entre as grades na segunda (4), quando o TAB/UOL esteve por lá. A voz de Morais se impõe. Com 1,65 m e bochechas coradas, diz alto a palavra-chave: “procedimento”. De imediato, os presos se sentam e levam as mãos à cabeça. Na saída, dá a ordem para liberá-los (“à vontade!”), todos se levantam e seguem com suas rotinas dentro dos cubículos. “O silêncio reina”, relata.

Ao lado do quarto de Morais ficam celas antigas, desativadas. À frente, uma área administrativa. Desde setembro de 2019, ele é o diretor da penitenciária de 600 hectares e hoje tem 619 detentos sob sua tutela. Antes de ocupar o cargo — e de passar sua semana dormindo no mesmo prédio em que os presos —, ele passou parte da vida em redações de jornal.

Foto: Allan Lira/UOL

O jornalista decidiu se afastar da carreira por um tempo. Morou na capital, Natal, depois retornou a Apodi. Trabalhou como assessor de imprensa de políticos, até retornar a redações.

Pulou entre cargos de prefeituras, Câmara de Vereadores e Assembleia Legislativa, até que decidiu mudar de área. “Cargo comissionado é hoje, não amanhã. Você vive como agricultor: de esperança. Se o político ganha, você está em alta. Se perde, já era.”

Morais foi prestar concursos. Tentou na companhia de águas, nos bombeiros, e deu sorte no de agente penitenciário (hoje chamado de policial penal), mas confessa que não gostou da ideia à primeira vista. “Não tinha nenhuma afinidade com o sistema prisional, pois uma coisa é gostar de jornalismo policial, outra coisa é estar dentro de penitenciária”, pondera.

“Ontem eu estava lá no gabinete do prefeito recebendo só gente importante da cidade. Anteontem, estava lá na Assembleia Legislativa com paletó trabalhando num gabinete de deputado. Hoje, eu estou aqui. Será que é isso que eu quero para mim?”, indagava-se.

O diretor vive na penitenciária de segunda a sexta. Tempo para a família, só no fim de semana. No paralelo, busca finalmente tirar um diploma de jornalista, num curso na Universidade Estadual do Rio Grande do Norte, mas não quer voltar para redações. “Eu já me sinto muito realizado”, conta. “Aqui, é de policial penal para escritor.”

UOL

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