PLANOS DE SAÚDE DEVEM R$ 2,9 BI AO SUS; VALOR COMPRARIA 58 MILHÕES DE DOSES DE VACINA

Foto: Marcello Casal Jr

Se você tiver plano de saúde, sofrer um acidente e for encaminhado a um pronto-socorro do Sistema Único de Saúde (SUS), a lei determina que a conta do atendimento seja enviada para a sua operadora. Porém, em vez de cumprir a legislação e pagar as faturas, parte das empresas prefere questionar os valores na Justiça e acumular dívidas com a União –“travando” bilhões de reais, que poderiam ser investidos em melhorias no serviço público de saúde.

Por conta dessa estratégia, os planos privados devem cerca de R$ 2,9 bilhões ao SUS, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), responsável por fiscalizar o setor e cobrar o pagamento.

As maiores devedoras são a Hapvida e a NotreDame Intermédica, que anunciaram fusão em março deste ano e devem juntas ao menos R$ 648 milhões (22% do total). Elas negam que a judicialização e o atraso nos pagamentos são uma estratégia de negócio e acusam a ANS de realizar cobranças indevidas. Entre os serviços com mais indenizações pendentes estão hemodiálise, transplante de rim, radioterapia e parto.

Mas enquanto os débitos se arrastam na Justiça, o SUS deixa de receber recursos previstos em lei. Com os R$ 2,9 bilhões da dívida total, equivalente a US$ 588 milhões, daria para comprar ao menos 58 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19 (considerando o valor de 10 dólares por dose pago pelo Ministério da Saúde na maioria das vacinas), o que seria suficiente para imunizar 29 milhões de pessoas.

“Esses valores fazem falta. Trata-se de uma injustiça, um favorecimento às empresas, que estão sempre no azul, enquanto o SUS é subfinanciado”, afirma o pesquisador José Antonio Sestelo, representante da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) na Comissão de Saúde Suplementar do CNS (Conselho Nacional de Saúde), órgão que monitora as ações do Ministério da Saúde.

POR QUE A COBRANÇA É FEITA?

O ressarcimento ao SUS consta na Lei 9.656, de 1998, e foi criado como uma forma de equilibrar as contas do sistema público e evitar que as operadoras ganhem duas vezes: com as mensalidades pagas, e sem gastar com o atendimento aos clientes. A medida não tem impacto financeiro ao usuário, já que a conta é enviada ao plano de saúde.

“As empresas cobram dos seus clientes e incluem a oferta de determinados serviços. Se o paciente usou o hospital público, a operadora está ganhando sem trabalhar, sem gastar com equipe e estrutura, por isso o SUS pede o ressarcimento”, explica Sestelo.

O dinheiro arrecadado vai para o Fundo Nacional de Saúde (FNS), uma conta com verbas destinadas aos governos federal, estadual e municipal para diversas finalidades, como a construção de unidades de saúde, a compra de equipamentos e o pagamento de profissionais. Deste fundo também vem parte dos recursos que financiam a campanha de vacinação contra a Covid-19.

INADIMPLENTES EM FUSÃO

O ranking de devedoras é liderado pela Hapvida, que tem débito de R$ 382 milhões e nunca pagou um único centavo. Em seguida vem a NotreDame Intermédica, com dívida de R$ 265 milhões, dos quais quitou apenas R$ 9.306 (0,003% do total), segundo a ANS.

A fusão das companhias, que depende ainda da aprovação do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), dará origem à maior operadora de planos de saúde do país, com 8,4 milhões de clientes e receita líquida de R$ 18 bilhões.

A Hapvida é líder no Norte e Nordeste, e a NotreDame, no Sudeste. As duas têm foco em clientes com menor poder aquisitivo (a média da mensalidade é de R$ 220) e ficaram conhecidas por investir em rede própria de atendimento e usar estratégias agressivas de compra de concorrentes locais.

Por trás da Hapvida está um dos homens mais ricos do Brasil, o oncologista Candido Pinheiro Koren de Lima, de 74 anos, que está na lista da Forbes ‘Bilionários do Mundo 2021’, com sua fortuna estimada em US$ 4 bilhões. Em 1979, ele fundou em Fortaleza (CE) a Clínica Antônio Prudente, que em 1993 se tornaria uma operadora de planos de saúde. Em 2018, anunciou abertura de capital na bolsa de valores.

Já a NotreDame foi criada pelo médico Paulo Sérgio Barbanti em 1968, em São Paulo. Ao longo do tempo, a empresa fez uma série de fusões e, em 2014, passou a ser gerida pelo fundo norte-americano Bain Capital.

Poder360

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