CONTRA BOATOS, ESPECIALISTAS DEFENDEM VACINAÇÃO DE CRIANÇAS PARA COVID-19

Vacinação de crianças nos Estados Unidos, onde a aplicação pediátrica para a Pfizer foi liberada; aval tem relevância para o Brasil. Foto: Jonathan Cherry /REUTERS

Na última sexta-feira, a Pfizer submeteu à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) o pedido de aprovação para o uso de sua vacina contra Covid-19 em crianças de 5 a 12 anos. A Anvisa tem um mês para emitir seu parecer, mas o recente aval por outra agência regulatória rigorosa, a Food and Drug Administration (FDA), que autoriza medicamentos nos EUA, traz boa perspectiva para a aplicação pediátrica do imunizante no Brasil.

Bastou que a aprovação se tornasse iminente por aqui, no entanto, para surgir um infame efeito colateral: a disseminação de fake news sobre vacinação nessa faixa etária. Os boatos mais propagados incluem alegações sobre o risco de miocardite (uma rara inflamação cardíaca) e afirmações de que a imunização deste público seria desnecessária porque a doença é branda nas crianças.

Especialistas ouvidos pelo GLOBO discordam. Eles são categóricos em dizer que a vacinação de crianças contra a Covid é segura e necessária.

— Quem acha que criança não precisa ser vacinada, que a vacina oferece mais risco do que benefício, está equivocado — afirma o pediatra e infectologista Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria.

Mortes evitáveis

O especialista explica que, em comparação com os adultos, as crianças são menos acometidas pela Covid-19. Mas o risco não é irrisório. Desde o começo da pandemia, mais de 2 mil crianças e adolescentes morreram por conta da doença no país.

— Hoje, a Covid é a doença prevenível por vacina que mais mata crianças e adolescentes. Ela já matou mais do que a soma de todas as mortes por doenças infantis para as quais existem vacinas, como sarampo, coqueluche, difteria, febre amarela, gripe, meningite, diarreia e pneumonia — destaca Kfouri.

Uma das principais preocupações é sobre os possíveis efeitos colaterais dos imunizantes nessa faixa etária. Em especial a miocardite, uma inflamação no coração de ocorrência rara cujo aparecimento em adolescentes foi associado ao uso das vacinas de mRNA, caso dos imunizantes da Pfizer-BioNTech e da Moderna.

Para o geneticista Salmo Raskin, presidente do Departamento Científico de Genética da Sociedade Brasileira de Pediatria, não há motivo para medo. Embora as vacinas feitas pela Pfizer-BioNTech e Moderna pareçam estar associadas a um perigo aumentado de miocardite, o risco absoluto permanece muito pequeno. Além disso, a maioria dos casos da doença é leve e a chance de desenvolver a inflamação por conta da Covid-19 é maior.

O médico lembra que a dose para crianças é um terço daquela destinada a adolescentes e adultos, o que aumenta o perfil de segurança.

É fundamental ressaltar que a vacinação contra o novo coronavírus em crianças não protege somente contra mortes. Embora esse seja o benefício mais importante, ela também reduz a transmissão da doença, hospitalizações, Covid longa e síndrome multissistêmica inflamatória pediátrica.

Um estudo publicado na revista Journal of Infectious Diseases em outubro mostrou que bebês, crianças e adolescentes têm a mesma capacidade de adultos de carregar altos níveis do SARS-CoV-2 nas vias nasais e transmiti-lo a outros.

Eficácia da pfizer

Na semana passada, o estudo de fase 3 com a vacina da Pfizer em crianças de 5 a 11 anos foi publicado na revista New England Journal of Medicine. A vacina ofereceu uma proteção de 90,7%.

— Sabemos que quanto menor a idade, mais robusta é a resposta imune, por isso é possível reduzir a concentração e/ou a quantidade de doses — explica Kfouri.

A avaliação para aprovar o uso de uma vacina em crianças é tão ou mais rigorosa do que em adultos. A Anvisa já sinalizou isso. Em agosto, a agência negou o pedido do Instituto Butantan para aplicação da CoronaVac na faixa de 3 a 17 anos. Na época, os técnicos entenderam que os dados apresentados não eram suficientes.

A CoronaVac é feita com o vírus inativado, que é a tecnologia utilizada em diversas vacinas já consagradas.

— Ela parece ser uma ótima alternativa para crianças, mas precisamos de mais dados — diz Salmo Raskin.

No início do mês, o Butantan levou à agência novos dados coletados na China relativos a menores de 17 anos. Mas ainda não foi submetido outro pedido de aprovação.

O uso pediátrico da CoronaVac já acontece no Chile, China, Equador e Indonésia. O imunizante da Pfizer está aprovado em crianças com menos de 12 anos no Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Estados Unidos e Israel.

As principais falácias das redes

Circula a entrevista de um médico que levanta o risco de miocardite em crianças. Ele alega que a própria Pfizer admite a falta de dados.

Em documento enviado à FDA, a Pfizer destaca que o número de participantes dos testes clínicos é pequeno para detectar riscos como miocardite, já que é considerado um evento raro. É por isso que existem os estudos pós-autorização. Esse acompanhamento de longo prazo é padrão para todas as vacinas.

Em um viral, uma mulher apontou a presença de fibrinas (proteínas da coagulação) no sangue de vacinados contra Covid. Ela recomenda que crianças não sejam vacinadas.

Fibrinas só podem ser identificadas por profissionais treinados, utilizando um microscópio especial. A presença dessas proteínas no sangue é um processo fisiológico necessário para a manutenção da nossa saúde. Mesmo assim, essas substâncias não permanecem no sangue.

Diversas postagens em circulação na internet dizem que crianças não precisam ser vacinadas contra Covid-19 porque o risco de morte de jovens em decorrência da doença é baixíssimo.

No Brasil, crianças e adolescentes respondem por menos de 2% das hospitalizações e cerca de 0,4% dos óbitos por Covid. Pode parecer pouco, mas não é. Esse percentual em 600 mil mortes equivale a mais de 2.400 casos fatais neste grupo da população.

O Globo

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