Foto: Gustavo Lima
O ministro Humberto Martins, presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), suspendeu a pena de um homem condenado a 1 ano e 3 meses de prisão por furtar 24 rolos de papel higiênico, avaliados em R$ 23,99.
O magistrado aplicou o chamado “princípio da insignificância”, que vale quando o bem furtado tem valor considerado irrisório. Em situações assim, o entendimento corrente da Corte é o de que há irrelevância penal. Ou seja, o bem é tão insignificante que não há justificativas para a abertura de uma ação.
“Considerando que o paciente não agiu com violência, bem como o valor insignificante dos objetos, além dos precedentes favoráveis sobre esse tema, ao ponto de excluir a própria tipicidade da conduta, defiro parcialmente a liminar unicamente para suspender o cumprimento da pena”, diz a decisão. Eis a íntegra (129 KB).
INSIGNIFICÂNCIA
Ainda que a Corte entenda que furtos insignificantes são atípicos -ou seja, que não se enquadram em nenhum crime tipificado pela legislação brasileira-, casos como esses chegam com frequência ao STJ, contrariando a jurisprudência da Corte.
Em junho deste ano, por exemplo, a Corte trancou uma ação movida contra um homem acusado de furtar dois pedaços de frango empanado, cada um no valor de R$ 2. O caso tramitava desde 2017 na Justiça de Araxá, em Minas Gerais.
O ministro Rogerio Schietti Cruz, relator do processo, aproveitou a análise do tema para criticar o fato de o Judiciário ter arrastado o caso por tanto tempo, a ponto de chegar ao STJ.
“É mais um caso da insignificância penal da conduta que infelizmente chega nesta Corte. É tão absurda a situação que eu achei importante trazer ao colegiado e dar mais visibilidade ao caso. O fato se traduz como um furto de dois steaks de frango, do valor de R$ 2. Na verdade, está se usando o Sistema de Justiça Criminal para perseguir quem furtou R$ 4 de alimentos, o que representa 0,5% do salário mínimo”, disse na ocasião.
Até o procurador Domingos Sávio Dresch da Silveira se disse constrangido com a ação, em especial porque as duas primeiras instâncias de Minas Gerais se recusaram a trancar o processo, com a anuência do MP (Ministério Público). “Realmente é chocante. Eu fui ao processo, inclusive para ler a denúncia. Fiquei absolutamente constrangido enquanto membro do MP”, afirmou.
De acordo com levantamento feito pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em parceria com o Depen (Departamento Penitenciário Nacional), cada preso custa em média R$ 1.800 por mês aos cofres estaduais. A tramitação de ações envolvendo furtos considerados insignificantes também gera custos quase sempre superiores ao valor dos bens lesados.
OUTROS CASOS
Entendimento similar ao do STJ é adotado pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Em novembro deste ano, por exemplo, o ministro Alexandre de Moraes mandou soltar uma mulher que ficou mais de 100 dias presa preventivamente por furto de água. Para o magistrado, o furto não é suficiente para a decretação da prisão preventiva.
A ministra Rosa Weber, também do STF, já entendeu da mesma forma. Ela concedeu habeas corpus a um homem condenado a 3 anos de prisão por furtar um conjunto de 3 panelas, avaliadas em R$ 100. Na ocasião, disse que o princípio da insignificância é aplicável mesmo quando o réu é reincidente.
A maioria das condenações ou prisões preventivas que ignoram o princípio da insignificância não chegam ao STF, porque são derrubadas já no STJ.
Um dos casos que ganhou mais repercussão neste ano envolve uma moradora de rua presa por furtar R$ 21,69 em alimentos de um mercado em São Paulo. Ela furtou 2 garrafas de refrigerante, 2 pacotes de macarrão instantâneo e 1 pacote de suco em pó. O ministro Joel Ilan Paciornik, do STJ, revogou a prisão aplicando a insignificância.
Em 2020, também virou notícia o caso de um homem condenado por furtar 3 cortinas 1 eletrodoméstico e 1 lençol que seriam descartados como lixo por um casal. As próprias vítimas disseram que os itens já estavam separados para descarte.
A ministra Laurita Vaz, relatora do caso no STJ, absolveu o homem por considerar sua conduta atípica. “A própria vítima afirmou que os objetos eram lixo e seriam descartados, conforme expressamente consignado na sentença, autorizando a conclusão de que o grau de reprovabilidade da conduta é mínimo e sequer houve dano relevante ao patrimônio”, disse a magistrada na ocasião.
Poder360