DA RUA AO HOTEL CINCO ESTRELAS, DO DESEMPREGO AOS MILHARES DE REAIS POR SEMANA: A VIDA DO EX-MENDIGO APÓS VIRAR CELEBRIDADE

Givaldo Alves de Souza largou as ruas e agora tem vida de ostentação Foto: Cristiano Mariz / Agência O Globo

O ex-morador de rua Givaldo Alves de Souza, de 48 anos, passou da invisibilidade ao estrelato após se envolver num caso rumoroso, ainda sob investigação policial. Depois de ser espancado e ficar dias internado, ele ganhou mais de 473 mil seguidores no Instagram, virou garoto propaganda de uma empresa de criptomoedas e foi assediado até por artistas de funk e sertanejo. Hoje, não vive mais sob marquises, mas num flat de Brasília.

Em vez de pedir esmola, ganha mais de 10 mil por semana. Pede desculpas por ter exposto a mulher, mas não entende por que vive entre o incensamento de novos fãs e o cancelamento de grupos feministas.

No dia 9 de março, Givaldo foi flagrado fazendo sexo com a mulher do personal trainer Eduardo Alves dentro de um carro estacionado numa rua em Planaltina, no Distrito Federal. Apanhou do marido. Passado pouco mais de um mês, agora publica em suas redes sociais passeios em carros de luxo e helicópteros, além de ida a camarotes VIPs de festas no Rio de Janeiro, como o carnaval na Sapucaí.

Baforando um cigarro eletrônico e consultando constantemente as horas no seu smart watch, Givaldo contou ao Globo que está ganhando cerca de R$ 13 mil por semana num site que comercializa vídeos personalizados para festas de aniversário, casamento e despedidas de solteiro.

Na descrição do canal, ele se apresenta: “Aqui quem fala é o Givaldo Alves, o Mendigo. Sim, aquele mesmo! Se você quiser um vídeo especial meu, dando conselho amoroso pra aquele seu amigo que está na seca, desejando feliz aniversário para aquele seu parente gente fina ou qualquer outra ocasião especial, eu estou aqui”. Cada gravação sai por um “preço promocional” de R$ 127,50, se encomendado com antecedência, e de R$ 250, se solicitado em menos de 24 horas.

Orientado por um agente de marketing, Givaldo criou uma persona nas redes sociais para explorar o que a sua assessoria chamou de “princípio do contraste” entre a sua vida anterior de “morador de rua” e a atual de “celebridade”, o que gera engajamento no mundo virtual. Em seu canal, o ex-sem-teto passou a divulgar vídeos em que volta aos locais onde já dormiu na sarjeta, reencontrando companheiros de rua e distribuindo alimentos e notas de dinheiro.

Num quadro recente, chamado “o mendigo paga o seu boleto”, ele oferece pagar dívidas de banco, conta de luz e água aos internautas que interagirem com ele.

— Já paguei boleto de oito pessoas. Dois só de uma mãe solo que tinha três crianças para cuidar. E as pessoas podem divulgar, porque isso não é fake. É fato — conta.

Os vídeos passam por edição profissional, com trilha sonora e desenho do “ex-mendigo” num pedaço de papelão, produzidos por uma equipe de marketing que também presta serviços a políticos e empresários de Brasília.

Além do portal de vídeos, Givaldo ensaia uma carreira de garoto-propaganda de bitcoin. Com o mote de que até “um mendigo pode ficar rico da noite para o dia”, ele passou a estrelar conteúdos publicitários de um consultor financeiro virtual chamado Diego Aguiar, que incentiva a operação de criptomoedas e tem mais de um milhão de seguidores nas redes sociais. Recentemente, o youtuber bancou para o ex-morador de rua um passeio de helicóptero e uma volta num carro de luxo avaliado em R$ 3 milhões — tudo devidamente registrado e postado nas redes sociais.

Nas redes, Aguiar diz que antes era “pobre, fod…, sem um put… no bolso” e que agora é “multimilionário” fazendo investimentos de alto risco. Posta vídeos jogando fora nota de dólares no mar das Maldivas e em festas rodeado de mulheres na Europa.

Por meio de sua assessoria, diz que quis ajudar o ex-morador de rua para “provar que até um mendigo pode aprender a ganhar dinheiro”: “Eu vi todo mundo criticando o cara, e resolvi dar oportunidade de ele viver algumas experiências”.

Givaldo Souza ainda está em vias de fechar um contrato de publicidade com uma marca de suplementos vitamínicos que promete melhorar o desempenho sexual. E planeja consolidar a persona de “mendigo bem de vida” no Instagram para manter uma renda permanente com sua atuação nas redes. Dependendo da audiência, cada vídeo pode lhe render cerca de R$ 1 mil.

Inversão das expectativas

Para Bernardo Conde, professor de Antropologia de PUC-Rio, o sucesso de Givaldo e do episódio que ele viveu se explica por uma espécie de “voyeurismo”, um interesse da sociedade na vida íntima de outras pessoas, fomentada com a exposição do caso. A presença do ex-morador de rua num contexto tido pela sociedade como impossível para ele também o coloca num patamar de “herói”.

— Ele virou essa espécie de herói que lembra o Chicó e João Grilo, do “Auto da Compadecida”. São figuras que subvertem a posição hierárquica na sociedade. Ele não tem poder nenhum e aí, de repente, surge tendo um ato sexual com uma mulher bonita, de classe média e que trai o marido com ele. Tem essa inversão de expectativas que forma essas figuras folclóricas — explica.

Do outro lado da história, a mulher com quem o ex-morador de rua se relacionou evita a exposição e tenta retomar a vida normal. Segundo a sua defesa, ela foi internada e está sendo submetida a um tratamento psiquiátrico, o que envolve medicamentos específicos e mantê-la afastada da internet.

 Para “gerar conteúdo”, o ex-mendigo se hospedou por um dia no hotel cinco estrelas Royal Tulip, localizado ao lado do Palácio do Alvorada, em Brasília, e cuja diária custa R$ 900. Antes, entretanto, ficou nove dias internado se recuperando das fraturas na costela e cortes profundos no rosto, resultado das agressões de Eduardo Alves.

— Eu que paguei a diária. Agora tenho a oportunidade, mas não sei até quanto tempo vai durar — diz o ex-morador de rua, que está morando num flat em Brasília, custeado por sua assessoria.

Givaldo nem sempre viveu na rua. Antes, trabalhou “com tudo o que dá para imaginar”, segundo suas palavras. Foi segurança, caminhoneiro, pedreiro, lavador de carro e até agricultor.

— Em nenhum dos meus empregos ganhei tanto como agora. Estou indo às primeiras festas da minha vida— afirma.

Há um ano e dois meses, Givaldo perdeu o emprego numa fábrica de frangos no interior da Bahia. Em meio à crise da pandemia de Covid-19, ficou sem dinheiro para pagar o aluguel e foi parar na rua. Atraído por informações que recebeu de que Brasília contaria com uma rede de assistência social mais extensa, mudou-se para lá e, desde então, vinha dormindo em albergues e calçadas das cidades de Planaltina e Ceilândia,no entorno de Brasília.

— Já fiquei quatro dias sem comer e nove sem tomar banho. É horrível. Parece que o estômago desacostuma, fecha e não entra mais nada — lembra.

Em depoimento, Eduardo Alves acusou Givaldo de ter feito sexo com a sua mulher sem o consentimento dela. O ex-morador de rua nega e diz que foi a mulher que lhe propôs o encontro íntimo. A Polícia Civil do Distrito Federal abriu uma investigação para apurar todos os detalhes do ocorrido, mas o inquérito ainda não foi encerrado e segue em sigilo judicial. O ex-sem-teto ainda deve prestar depoimento na condição de “vítima”, segundo sua assessoria.

Cancelado nas redes

A ostensiva revelação de detalhes da sua relação sexual com a mulher do personal trainner rendeu um revés. Uma rede de ativistas virtuais se uniu para fazer milhões de denúncias de uma só vez contra a postura de Givaldo e conseguiu derrubar a sua página no Instagram. Por meio de sua assessoria de marketing e de advogados, o ex-morador de rua entrou com uma ação na Justiça contra o Facebook, para recuperar o perfil.

Givaldo se declara arrependido pelas vezes em que expôs a intimidade da mulher. As declarações dele viralizaram na internet. Ele diz que, para evitar novos problemas, tem se recusado a participar de clipes de funk, pagode e sertanejo que utilizam as suas frases.

— Me ofereceram até R$ 100 mil para usar as minhas frases, mas eu neguei. Uma vez que eu me retratei, não posso mais fazer alusão a isso — afirma, acrescentando que vai lançar uma série de depoimentos para frear o cancelamento: — Eles querem me cancelar. Mas a verdade é que já sou cancelado, eu era morador de rua. Estou acostumado a dar bom dia e as pessoas não responderem. Não conseguem aceitar que um mendigo possa viver assim — diz.

Agência O Globo/Colaborou Arthur Leal, do Rio

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